João ama Ana, que ama Roberto, que ama Jussara, que ama João. Essa ciranda do amor parece até saída de uma poesia ou canção, mas é usada aqui para ajudar a entender o poliamor. Trata-se de uma maneira diferente de se relacionar, que recusa a monogamia e permite amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
Quem segue o poliamor, ama e é amado por mais de uma pessoa, mas os poliamoristas garantem que nada tem a ver com promiscuidade. Nesse tipo de relação, não há traições: todos os envolvidos sabem e concordam com a não exclusividade do parceiro e vivem de maneira responsável e profunda seus amores.
- Não há ciúme, pois não há medo de perder - diz a psicoterapeuta e sexóloga Regina Navarro Lins, autora do livro “A Cama na Varanda” (Editora Best Seller), do Rio de Janeiro, que dedica um capítulo ao assunto.
Veja abaixo no que acreditam as pessoas que praticam o poliamor, segundo o livro “A Cama na Varanda” (Editora Best Seller), da psicoterapeuta e sexóloga Regina Navarro Lins, que dedicou um capítulo ao assunto.
• Os poliamoristas dizem que sua filosofia nada mais é do que aceitação direta e a celebração da realidade da natureza humana.
• Os poliamoristas dizem que o sexo não é o inimigo, que o real inimigo é a quebra e a traição de confiança resultante da tentativa de reprimir nosso ser natural em um sistema social rígido e antinatural.
• Os poliamoristas dizem que o sexo é uma força positiva se aplicada com honestidade, responsabilidade e verdade.
• Os poliamoristas não têm de atender a todas as necessidades de cada parceiro; eles devem ajudar. Se sua esposa ama ópera e você não gosta, talvez algum de seus amantes apreciará levá-la à ópera. Se ele for também um mago da informática e ajudar a consertar seu computador quando ele não funciona direito, você é uma pessoa de sorte.
• Os poliamoristas dizem que o amor é um recurso infinito, e não finito. Ninguém duvida de que você possa amar mais de um filho. Isso também se aplica aos amigos – quando você encontra um novo amigo, não precisa se preocupar com quem terá de descartar para colocá-lo no lugar.
• Os poliamoristas dizem que o ciúme não é inato, inevitável e impossível de superar. Mas eles lidam com o ciúme usualmente de forma bem-sucedida. Há um novo termo para o oposto do ciúme: “compersion” (sem tradução para o português ainda, talvez possa ser traduzido como algo perto de “comprazer”). “Compersion” é o sentimento de contentamento que advém do conhecimento de que uma pessoa que você ama é amada por mais alguém.
• Os poliamoristas dizem que o amor deve ser incondicional, no lugar da proposição monogâmica de que “Eu irei amar você sob a condição de que você não amará mais ninguém”, “Desista de todos os outros”, como usualmente é colocado. E, conforme demonstrado pela história, o casamento monogâmico não dá nenhuma garantia de que uma pessoa não amará mais ninguém ao longo da vida.
• Os poliamoristas acreditam em um investimento emocional de longo prazo em relacionamentos; assim como esse objetivo nem sempre é alcançado no poliamor, ele também nem sempre é alcançado na monogamia.
• Os poliamoristas acreditam que eles representam os verdadeiros “valores familiares”. Eles têm a coragem de viver um estilo de vida alternativo que, embora condenado pela sociedade, é satisfatório e recompensador para eles.
O assunto é polêmico e mais conhecido do que se imagina. No Google, por exemplo, há 171 mil resultados para a palavra poliamor, enquanto no Orkut, pode-se encontrar 14 comunidades. Mas, antes de tudo, é bom diferenciar poliamor de outros tipos de relacionamento, como relação aberta, poligamia e swing.
Diferenças
Na relação aberta, o casal não faz pacto de exclusividade, mas os códigos continuam sendo de um casal: geralmente um não quer saber sobre os parceiros do outro. Nesse tipo de relacionamento, os casos extraconjugais estão mais ligados ao sexo.
A poligamia, em que se permite o casamento com mais de uma pessoa, divide-se em duas vertentes. A mais comum é a poliginia - casamento de um homem com várias mulheres. Já a poliandria - casamento de uma mulher com vários homens - é mais restrita e menos aceita.
No swing, ou troca de casais, o envolvimento é puramente sexual. Inclusive, há regras para que não passe disso e invada a esfera emocional.
- O swing é para poucos. É preciso ter uma estrutura psicológica especial e forte para se relacionar dessa maneira - analisa o psicólogo paulista Ailton Amélio da Silva, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “Para Viver um Grande Amor” (Editora Gente), que vai ministrar a palestra gratuita “Estilos de Amor”, no próximo dia 10 de junho, na USP. Mais informações no blog http://ailtonamelio.blogspot.com/.
Quem já viveu formas diferentes de amar corrobora a afirmação do especialista. O militar, fotógrafo e escritor Samuel*, 43 anos, divorciado, já viveu formas diferentes de amar. Ele praticava swing quando era casado, mas sentiu falta de demonstrações de carinho, e isso o incomodava. Nessa época percebeu que era capaz de gostar de mais uma mulher, dar e receber carinho. E, após a separação, começou a viver o poliamor. Hoje, ele tem uma parceira, a principal, e uma ou mais secundárias. Leia abaixo o seu depoimento:
"A minha caminhada para a descoberta da possibilidade de se desejar afetiva e sexualmente mais de uma pessoa ao mesmo tempo começou há cerca de cinco anos, quando eu resolvi ‘passear’ pelo mundo swinger. Apesar de ter sido uma experiência nova para mim, logo percebi que não sentia ciúme de minha parceira. Porém, depois de algum tempo, observei que a filosofia vivida pela grande maioria dos casais swingers não me agradava, pois, quase sempre, não eram possíveis demonstrações de carinho e afeto. O que importa no swing é o sexo e mais nada. Passou disso, ocorrem demonstrações de ciúme. Então, vi que não era isso que eu queria. Comecei a perceber que era capaz de gostar de mais de duas mulheres, dar-lhes e receber carinho, etc.
Durante essa época do swing e das críticas que comecei a fazer a ele, eu era casado e, apesar de conversar muito com a minha então esposa sobre a possibilidade do poliamor, não havia espaço para isso no nosso relacionamento. Eu comentava com ela que me via morando com duas mulheres, por exemplo, ou dois casais juntos.
Praticante mesmo do poliamor eu me considero somente a partir de minha separação, quando comecei realmente a viver isso, permitindo e incentivando que minhas parceiras fizessem o mesmo.
A minha primeira experiência foi há cerca de seis meses. Eu saía e gostava de uma mulher de Minas Gerais e também estava saindo com uma carioca. Ambas sabiam uma da outra, pois eu não minto para ninguém a respeito disso. Sugeri que viajássemos juntos, os três. Elas toparam. Foi a primeira experiência bissexual e de poliamor das duas. Tudo novo para todos. Foi muito bom!
Eu já fiquei várias vezes com três ou quatro pessoas. Mas entenda: eu não me considero um promíscuo e muito menos as mulheres que desejam praticar ‘ménage’ ou swing. É apenas sexo, e encaro da mesma maneira entre duas pessoas, apenas com mais possibilidades de sensações. Enquanto a sociedade continuar sustentando a bandeira do romantismo, enxergaremos tudo que é ‘não é normal’ como aberrações.
Outra coisa: eu transo muito menos do que os ‘românticos’. Eu só vou para a cama com uma mulher se eu realmente me sentir atraído, se houver afinidades, se tiver certeza de que o depois será tão bom quanto o antes e o durante. Quando você descobre o poliamor, passa a entender realmente o que é fazer amor, já que antes as mentiras não nos permitiam amar alguém de verdade.
Hoje, não tenho uma namorada tradicional. Tenho uma parceira que, conceitualmente, o poliamor chamaria de principal, e uma ou mais secundárias. Mas, só nos vemos quando desejamos, e isso tem ocorrido toda semana, mais de uma vez. Basicamente, só tenho saído com ela, mas sem imposição alguma, pois ela também sai com quem quiser, inclusive me relatando casos quando sente vontade de compartilhar algo. Todas as ‘amigas’ com quem já me relacionei sabem da existência das demais. Defendo a verdade.
Algumas ficam um pouco assustadas e desconfiadas no início. Certamente, começam me considerando um safado. Depois as convenço (ou elas se convencem) de que é realmente uma filosofia legítima e que acredito nela. Sem exagero, não houve uma mulher que eu tenha conhecido, desde que me separei, há mais de oito meses, que tenha sumido de minha vida. Relacionei-me com todas que eu quis. O poliamor, se bem explicado e, se você realmente acredita nele, torna-se atraente, pois faz parte de nossa natureza pura e primitiva."
Já o vendedor Bruno*, 25 anos, nem conhecia o termo poliamor quando namorava uma garota e outro rapaz.
- Passamos três meses juntos: saíamos para barzinhos, íamos a motéis. Mas ele ‘surtou’ e caiu fora - conta.
No entanto, Bruno garante que não vai desistir desse tipo de relacionamento.
- Acho que existem pessoas que pensam dessa maneira. Não fico correndo atrás, mas quando encontro alguém interessante comento sobre minha posição. Não quero enganar ninguém - afirma.
Poliamor x casamento
Segundo a sexóloga Regina Navarro Lins, estamos vivendo profundas transformações. Uma delas, e muito importante, é a quebra de paradigmas em relação ao amor romântico, que prega a fusão entre os amantes em uma coisa só, a tal da alma gêmea. “Hoje, a busca do ser humano é para dentro si a fim de desenvolver sua própria vida. E o amor romântico e idealizado bate de frente com essa postura atual”, diz. E completa: “A exclusividade nos relacionamentos está saindo de cena para dar lugar a novas maneiras de amar, como o poliamor”.
O psicólogo Ailton Amélio da Silva não acredita que o poliamor seja possível na prática para todos.
- Na história da humanidade, não foram encontradas culturas em que não haja uma forma de casamento. Relacionamentos e filhos são regulados de alguma forma - afirma.
Ele cita o Atlas Murdock, em que são localizadas no mapa-múndi as várias formas de “casamento” nas culturas: poligamia, monogamia, casamentos arranjados, iniciação sexual pela mãe etc. Foram listadas cerca de 1200 sociedades, das quais, 800 privilegiam a poligamia (apenas sete culturas seguem a poliandria).
- Onde prevalece a monogamia, no entanto, há infidelidade - afirma Silva.
Estima-se que nessas sociedades 10% dos filhos não são do pai presumido.
- As culturas monogâmicas adotam medidas, às vezes radicais, para coibir a traição, mas não adianta - analisa.
Mesmo assim, o psicólogo afirma que é a favor da fidelidade.
- Quem se compromete com alguém não deixa de ver, desejar ou perceber outras pessoas. Mas o custo benefício da infidelidade não vale a pena, embora tenhamos propensões a ela. Por outro lado, temos mecanismo para ser monogâmicos, como o amor - afirma.
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