Woody Allen volta ao seu lar cinematográfico, Nova York, com a comédia "Tudo Pode Dar Certo". Depois de uma temporada de quatro filmes europeus --apenas temporariamente interrompida aqui-- ele volta à sua cidade.
No filme, Allen mergulha mais uma vez numa história de amor entre duas pessoas totalmente improváveis. Um físico nuclear sessentão, intelectual, pessimista e pedante, Boris Yellnikoff (Larry David, co-criador da série "Seinfeld") e uma jovenzinha loura, caipira e ingênua, Melody St. Anne Celestine (Evan Rachel Wood).
O filme estreia em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Interpretando o papel que seria de Woody Allen, caso ele atuasse no longa, David mostra-se uma versão altamente mais ácida e amarga do que o diretor seria. Falta-lhe aquele toque de fragilidade e confusão que torna Allen digno de compaixão e simpatia.
David provoca deliberadamente a fúria do espectador e de todos à sua volta, encarnando um homem vaidoso e profundamente ferido em sua autoestima e que, por isso, descarrega sua bílis em todas as direções.
Nenhum encontro humano genuíno se faz sem alguma contradição ao próprio comportamento habitual. Isso acontece inclusive ao antissocial Boris, quando ele contraria a própria impiedade militante e acolhe em sua casa Melody, a garota sulista que desembarcou em Nova York cheia de ilusões e agora sequer tem um canto onde dormir.
Com uma formação totalmente oposta à de Boris, numa família típica do Mississipi, cristã praticante, conservadora e armamentista, Melody empolga-se com o discurso pessimista crônico de seu anfitrião, sempre jogando a absoluta falta de sentido do universo na cara dos otimistas e sorridentes, como ela.
Ele já desistiu da primeira esposa por ser perfeita demais e até tentou o suicídio --e falhou. Se levasse a própria filosofia niilista às últimas consequências, ele só poderia procurar a morte outra vez. Mas, evidentemente, não faz, usando seu vício do pessimismo como estímulo cômico neste romance de contraste.
Um saboroso núcleo complementar se estabelece quando os pais de Melody, cada um por sua vez, vão em busca da filha. A mãe, Marietta (Patrícia Clarkson), chega de malas na mão e disposta a ficar, diante de mais uma traição do marido, John (Ed Begley Jr.).
A exposição dela ao ambiente profano de Nova York opera milagres e logo se verá uma versão de uma Marietta artista plástica da moda e envolvida em múltiplos relacionamentos. Quando o marido chega, depois de um choque inicial, será sua vez de experimentar uma renovação igualmente radical.
Novamente, é o Allen pessimista em relação à natureza e à duração do amor que sustenta esta história singela, embora repleta de comentários irônicos e até políticos, já que o casal Marietta/John é a mais pura encarnação de uma parcela de uma elite nacional rica, reacionária e sócia da Associação Nacional de Rifles da América.
No fundo, trata-se de uma grande reciclagem de bons momentos e de outros nem tanto da, a esta altura, vasta obra de Woody Allen.
Pode não ser o seu melhor filme, mas já se sabe que um ou dois outros estão vindo pelo caminho, de novo na Europa: "You'll Meet a Tall Dark Stranger", filmado em Londres e com première mundial marcada para o próximo Festival de Cannes, em maio, e "Midnight in Paris", que será produzido na capital francesa e com a primeira-dama Carla Bruni no elenco.
Um deles pode dar mais certo.
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