Após uma temporada de dez meses em cartaz entre São Paulo e Rio de Janeiro, o musical “O Despertar da Primavera” deve ser investigado tanto pelo Ministério Público paulista quanto pelo fluminense por suspeita de ter infringido o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao mostrar o seio de uma garota de 16 anos numa das cenas. No espetáculo, a protagonista, a adolescente Malu Rodrigues, exibe um dos seios e simula uma relação sexual.
O pai da atriz, o auditor fiscal Sérgio Rodrigues, afirmou por telefone ao G1 na segunda-feira (3) ter autorização judicial para a filha atuar no palco e que não vê motivos para a polêmica. Ele alega ainda que é obrigado pelo Conselho Tutelar do Rio a assistir a todas as exibições, e declara nunca ter visto nenhum tipo de reação negativa da plateia.
- Se minha filha disser que quer fazer topless na praia, vou conversar com ela - diz. - Mas não é o caso. Existe um contexto, é uma peça clássica, utilizada por psicólogos para estudar a formação do adolescente. Os pais da minha idade [48 anos] deveriam ir assistir para saber o que acontece quando não há diálogo com os filhos.
A agente da atriz, a empresária Ieda Ribeiro, disse na segunda-feira à reportagem que a polêmica cena “não tem cunho pornográfico”. Além disso, Ieda declarou que Malu teve a autorização de um juiz da Vara da Infância e da Juventude e foi emancipada pelos pais para trabalhar no espetáculo e mostrar o seio na peça (leia mais abaixo). Pela lei, uma menor de idade que é emancipada adquire direitos civis como um adulto, mas isso não a exime de continuar a ser considerada criança ou adolescente pelo ECA. Portanto, sendo vetada a participação dela em pornografia e prostituição, por exemplo.
A última apresentação regular de “O Despertar da Primavera” foi domingo (2) no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, e o pai de Malu afirmou que mais uma vez estava na plateia. De acordo com a agente, os responsáveis pelo espetáculo negociam com patrocinadores mais uma nova temporada na capital paulista e no Rio. Mais de 100 mil pessoas já viram a peça do autor alemão Frank Wedekind, que trata de sexo, homossexualidade e incesto, de acordo com a agente.
Para promotores ouvidos pelo G1, no entanto, a peça teria ferido o artigo 240 do ECA, que trata como suspeito de crime quem “produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”. Não necessariamente o menor de 18 anos de idade precisa estar nu para se caracterizar a infração do estatuto. A pena para quem for condenado por esse tipo de crime pode chegar a oito anos de reclusão ou multa.
Promotoria apura
Em São Paulo, o promotor Tales Cezar de Oliveira, do Departamento de Execução da Infância e da Juventude, afirmou na segunda que informou o setor de Interesses Difusos e Coletivos do Ministério Público para apurar a denúncia.
- Para mim, exibir o seio de uma adolescente é um apelo chamativo que é nudez - afirmou o promotor Tales de Oliveira. - Independentemente de a peça ter saído de cartaz, devemos ficar atentos para quando ela voltar a São Paulo novamente. Quem sabe discutir a possibilidade de proibi-la ou até pedir que a adolescente não mostre o seio nas próximas apresentações.
Já no Rio, a promotora Ana Lúcia Melo, que cuida de crimes contra crianças e adolescentes, pediu para a Polícia Civil abrir inquérito e investigar a suspeita de os responsáveis pelo “O Despertar da Primavera” terem cometido crime pelo ECA.
- Eu pedi para a delegacia especializada instaurar inquérito e apurar o caso porque a peça é suspeita de ter usado uma menor de idade numa cena em que ela mostra o seio e simula sexo - disse a promotora Ana Lúcia.
Segundo ela, um ofício será encaminhado à Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav) pedindo a abertura da investigação.
- A intenção é proteger o lado psicológico da criança e do adolescente.
O delegado Luiz Henrique Marques Pereira, da Dcav, especializada em combater crimes de pornografia infantil e pedofilia, confirmou ao G1 ter sido procurado pela promotora e afirmou que irá investigar a denúncia.
- Temos que tomar cuidado nesses casos. Vou tomar conhecimento primeiro do fato oficialmente. Mas adianto que vamos investigar preliminarmente o caso. Vou chamar os produtores da peça, os pais da adolescente e ela mesma. Também pretendo pedir um vídeo da peça, já que ela parece ter terminado temporariamente. Só depois disso poderei me manifestar sobre a investigação e se houve cometimento de crime - afirmou o delegado Luiz Henrique Pereira.
Pai e agente da atriz falam sobre polêmica
O pai de Malu afirma que a polêmica começou na estreia quando alguém fez uma denúncia anônima ao Conselho Tutelar.
- Os representantes do conselho estiveram no teatro e solicitaram a documentação como o alvará que foi emitido pela Justiça para que ela pudesse estar no palco - diz.
De acordo com Ieda Ribeiro, agente de Malu, desde então o musical tem sido alvo de polêmica por causa da cena em que a atriz exibe o seio.
- Trabalho há 20 anos com criança e adolescente. Ela [Malu] foi emancipada por conta do espetáculo. O que para nós não a faz adulta. É para facilitar trâmites para viagem. Tem uma cena em que aparece muito rapidamente o seio direito. Não tem nudez. Ela não fica nua. Ela é muito menina. O que tem na cena é a descoberta do amor. Faz parte do contexto da peça. Não tem pornografia. Não tem nada que contradiga uma menor de idade - afirmou Ieda Ribeiro.
Ainda, segundo a agente, representantes do Juizado de Menores e Ministério Público do Rio assistiram a peça e não fizeram qualquer veto à cena em que Malu mostra o peito.
- É uma cena romântica. Não tem nada que possa denegrir a imagem dela.
Para Ieda Ribeiro, o fato de Malu ter alvará da Vara da Infância e Juventude para trabalhar também permite que a adolescente deixe o seio à mostra no espetáculo.
- Além da emancipação, tem um alvará judicial que permite o espetáculo acontecer com ela. Juizado quando emite alvará tem acesso ao roteiro. Ainda assim, como tem essa parte do seio de fora, teve conferência e tudo foi autorizado.
A empresária, no entanto, não soube dizer o nome dos promotores e representantes do juizado que teriam visto a peça ou autorizado a presença de Malu no espetáculo. O G1 também não conseguiu localizar os responsáveis pela peça para comentar o assunto.
A reportagem chegou a procurar a Vara da Infância e Juventude e Idosos (que segundo a agente teria autorizado a presença de Malu na peça) para falar do caso, mas o órgão informou que a assessora responsável por conversar com a imprensa estava em reunião.
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