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sábado, 4 de setembro de 2010

Perdedores são o grande assunto das séries de sucesso atuais

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Loser: perdedor, vencido, na tradução do inglês.

No cotidiano das escolas de ensino médio americanas, qualquer sujeito que não seja alto, louro e atlético. Ou qualquer menina que não exiba o corpo de Barbie e lidere a torcida. Um padrão difícil de alcançar, mas que define as relações sociais dentro dos colégios e estabelece um sistema de castas. É o cenário em que vivem os protagonistas de Glee, nova sensação da TV mundial, exibida no Brasil às quartas-feiras, às 22 horas, pelo canal Fox. Desengonçados e sem brilho aparente, estariam fadados a humilhações diárias, mas acharam um meio de conquistar a popularidade: o grupo de canto e dança da escola. Embalados por ícones do pop como Lady Gaga, os alunos da fictícia McKinley High School venderam 1,4 milhão de cópias com os dois primeiros álbuns, atraíram mais de 13 milhões de espectadores e venceram o Globo de Ouro como a melhor série de comédia. Medíocres do mundo inteiro, uni-vos!

Na semana passada, o elenco de Glee conquistou um prêmio Emmy na categoria de melhor atriz coadjuvante em comédia com Jane Lynch e um de melhor direção cômica com o criador Ryan Murphy. Prova de que os nerds ou tipos marginais jamais estiveram tão na moda. As razões do sucesso dos perdedores são evidentes. A crise econômica que atinge os Estados Unidos e o domínio da atitude politicamente correta no cotidiano provocaram uma mudança na visão do herói no mundo do entretenimento.

- O público estava sedento por isso. A ideia de que só se é feliz sendo lindo e bem-sucedido soa absurda. Está tudo bem se você estiver acima do peso ou não se enquadrar dentro de padrões - diz Brooke Elliott, protagonista da série Drop Dead Diva (Sony, quarta-feira, às 21 horas), outro sucesso na TV americana.

Na série, Brooke vive Jane, uma advogada humilhada pelos colegas de trabalho por estar acima do peso. Ela morre logo no começo do primeiro episódio, no mesmo instante que uma modelo. No céu, a modelo consegue voltar à vida, mas reencarna no corpo de Jane. A nova Jane carrega na maquiagem, rebola por aí e é um exemplo de autoconfiança, o que lhe tem rendido uma vida amorosa de fazer inveja a qualquer beldade hollywoodiana: além do bonitão Grayson (Jackson Hurst), colega de escritório por quem alimenta uma paixão platônica, a gordinha é disputada por dois marmanjos, encantados com suas curvas.

- Glee ajudou a abrir o caminho para programas como o nosso porque eleva nossa autoestima - diz Brooke. - Ela acredita que é linda, e, para ela, é isso que importa. Estamos passando uma mensagem afirmativa, e isso tem chamado a atenção até mesmo de artistas que nos adoram.

A atriz se refere a semicelebridades como Paula Abdul, figura recorrente na série e uma das principais entusiastas do programa.

- Ela nos liga e pergunta se não temos mais coisas para ela, se não pode deixar participações gravadas - afirma o criador Josh Berman, que conta ter recebido muitos pedidos de gente famosa querendo uma ponta na comédia. - É pop participar de Drop dead diva. Fico feliz de dizer isso, porque, durante um tempo, só podíamos mostrar pessoas lindas, mesmo que não tivessem talento. A televisão é um veículo para todos. É bom ver que ninguém tem vergonha de aparecer em nosso programa. Ao contrário: nesta nova temporada, conseguimos fechar com Cybill Shepherd e Rosie O’Donnel e estou vendo quem mais consigo encaixar.

Ironicamente, Berman, roteirista de CSI, tentou vender sua ideia para o mesmo canal Fox de Glee, que recusou o projeto.

- No Lifetime, onde exibimos o programa, por ser um canal a cabo, podemos ser mais ousados e mostrar que ninguém ali precisa mudar. No final, Jane não fica linda e não faz força para emagrecer - diz.

Não é que antes não houvesse perdedores na TV. Havia. Mas eles apareciam como gente que atravessava uma fase a ser superada, ou como pessoas de quem gostamos apesar de serem medíocres (leia no quadro). Exemplos de medíocres que viraram vencedores são a feiosa Betty (America Ferrera), de Ugly Betty (Sony, domingo, às 21 horas), que se converte em editora de sucesso, ou o frágil John Locke, de Lost, que abandona a cadeira de rodas e assume a posição de líder do grupo. Nas novas histórias, é diferente. Raramente os protagonistas têm uma guinada na vida. A graça está exatamente em explorar as dificuldades de uma pessoa cuja estrela não brilhou tanto.

- Não há, na vida, viradas mirabolantes e as soluções não caem do céu - afirma Eileen Heisler, criadora da comédia The Middle (Warner, quarta-feira, às 21h30), sobre uma família atolada em dívidas e com crianças problemáticas. - Frankie, minha protagonista, tem de lidar com os filhos, que estão longe do sucesso, e com o fato de que aquilo não vai mudar - diz. - Ela tem de ser feliz daquele jeito. De qualquer forma, não considero minha série sobre derrotados, mas sobre pessoas comuns, que têm dificuldades como qualquer pessoa. Nem todos são brilhantes e ver apenas isso na TV pode ser frustrante.

Na mesma linha, o roteirista Dan Harmon criou Community (Sony, sábado, às 20 horas), série que acompanha o cotidiano dos estudantes de uma universidade comunitária dos Estados Unidos. O protagonista é Jeff Winger (Joel McHale), advogado que perdeu a licença profissional quando descobriram que seu diploma era fajuto. Malandro, preguiçoso e manipulador, Jeff encara a fictícia Greendale Community College como uma maneira fácil e rápida de conseguir se recolocar no mercado. Lá, encontra tipos como Pierce Hawthorne, um senhor carente e solitário, interpretado pelo veterano Chevy Chase.
 
- Nem todo mundo conseguiu ir a Harvard. Sempre via, na TV, as pessoas indo à faculdade, mas era uma coisa grandiosa e aquilo não me parecia muito real - diz Harmon. - Por isso, resolvi fazer algo diferente e retratar uma universidade comunitária, algo comum e forte por aqui, mas pouco mostrado.”

Harmon diz que o público está perdendo a vergonha de encarar seus fracassos pessoais na televisão, o que talvez explique o sucesso de tipos marginais como Jeff, Pierce ou mesmo Shirley (Yvette Nicole Brown), que, em um dos episódios iniciais de Community, afirma:

- Estou aqui porque desperdicei 15 anos da minha vida com um homem que me deixou sem nada além de estrias e uma vaga lembrança de dois orgasmos insossos.

Harmon acha que as pessoas querem mesmo é se ver na TV.

- Frequentei uma universidade comunitária e posso dizer isso. O sucesso de personagens pouco ou nada heroicos é o resultado de um processo que ia acontecer mais cedo ou mais tarde. Ali, com aqueles personagens, vejo muito mais humanidade.

Os personagens de séries como Glee, Drop dead diva, The middle e Community podem ser tudo, menos seres infelizes. Sem a preocupação de se enquadrar na sociedade para conseguir o sucesso, os perdedores aprenderam a se divertir. Talvez por isso consigam divertir tanto.

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